Com apenas três anos de carreira profissional, Eugénia das Neves tornou-se um dos rostos em ascensão da ficção angolana. No papel de Yolanda, a quinta esposa do personagem Nkanda na novela “Os Kambas” da grelha do canal Kwenda Magic da DSTV (505) , a actriz enfrenta o desafio de interpretar uma personagem que espelha tensões da tradição e da modernidade, ao mesmo tempo que reflete sobre o lugar da mulher nas artes e na sociedade.
POC NOTÍCIAS | ENTREVISTA | geral@pocnoticias.ao | Foto: DR
Como se deu o início da sua trajectória artística?
O início da minha trajectória artística aconteceu de forma natural. Aos 14 anos, comecei a fazer teatro na igreja, quando, por acaso, fui convidada a substituir um actor que havia faltado. A minha madrinha, a quem carinhosamente chamo de mamã, e que curiosamente tem o mesmo nome da minha mãe, Josina, foi a grande motivadora desta minha versão artística. Desde então, fui descobrindo na actuação uma forma de comunicar, provocar reflexão e tocar as pessoas.
Há quanto tempo actua como actriz e como esse percurso tem moldado a sua visão sobre o papel da mulher nas artes?
Actuo profissionalmente há 3 anos e, ao longo desse percurso, percebi que a arte de representar é o reflexo da sociedade. E quando uma mulher se posiciona de forma autêntica nesse espaço, não apenas se afirma, mas abre caminhos para que outras também se revejam no que ela faz.
Como é fazer parte de um elenco que reúne diferentes gerações de mulheres?
Estar num elenco com diferentes gerações de mulheres é viver uma troca de experiências enriquecedora todos os dias — aprendemos muito umas com as outras, sobretudo com quem tem mais experiência. A Josefa Ferraz, por exemplo, além de ser a matriarca da família na novela, desempenha também esse papel connosco no elenco. Tem-nos ajudado bastante, inclusive em aspectos técnicos, e isso faz toda a diferença no nosso crescimento.
Interpretar uma personagem dentro de uma trama que aborda a poligamia exige sensibilidade. Como vivencia esse desafio artístico e emocional?
É, de facto, um desafio delicado. A poligamia toca em camadas profundas da nossa identidade cultural e, por ser um tema sensível, muitos preferem que não seja abordado. Por isso, precisei encarar a personagem com muita sensibilidade. Não me cabia julgar, mas compreender o contexto e dar-lhe verdade, entendendo o que essa realidade representa para tantas mulheres. Como actriz, sinto que o meu papel é justamente esse: viver a personagem de forma honesta e, ao mesmo tempo, provocar reflexão em quem assiste.
Conte-nos sobre a sua personagem: quem ela é, o que representa, e como a conecta à realidade das mulheres angolanas hoje?
A Yolanda tem 30 anos e é a quinta esposa de Nkanda. É desbocada, vaidosa, divertida e determinada, mas também muito inquieta. Adora moda, luxo e as futilidades da vida, e faz de tudo para garantir o seu lugar na família.
Esta personagem conecta-se com a realidade das mulheres angolanas em duas vertentes: a primeira, o desespero que muitas jovens sentem em ter tudo — status, beleza, reconhecimento e conforto — mesmo que isso traga instabilidade; a segunda, a busca legítima pelo seu espaço e pela sua afirmação, algo que continua a ser um desafio real para nós mulheres.
Fora das telas, como olha para a poligamia tendo uma perspectiva de valorização da condição feminina numa relação conjugal?
Olho de forma crítica. É parte da nossa tradição e não podemos ignorar o peso cultural que ela tem em várias famílias angolanas. Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de pensar no impacto que isso tem sobre a mulher — muitas vezes vista apenas como parte de uma estrutura, quando deveria ser reconhecida como indivíduo.
Na nossa sociedade, ainda existem mulheres que aceitam a poligamia por obrigação cultural ou por questões económicas, e isso mostra o quanto precisamos avançar na valorização feminina. Para mim, fortalecer a mulher passa por relações construídas em respeito, equidade e liberdade de escolha.
Na sua percepção, quais avanços têm ocorrido no cinema e na televisão angolana quanto à inclusão e representatividade feminina?
Vejo avanços significativos, sim, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Sempre tivemos mulheres diante das câmaras, mas atrás delas — em cargos de produção, direcção e guionismo — ainda são poucas. Não sei se isso acontece por falta de oportunidades, de formação ou simplesmente por resistência do próprio mercado. O que é certo é que precisamos continuar a abrir esses espaços, porque a presença feminina enriquece as narrativas e traz olhares diferentes que muitas vezes não são explorados.
Sente que esta produção representa bem a nossa cultura e capta a essência das angolanas?
Desde a forma como a família se relaciona, as tradições, até à maneira de falar e de estar, há uma identidade angolana muito presente. É claro que nenhuma produção consegue traduzir toda a diversidade das mulheres angolanas, mas sinto que a novela traz à tona a essência de muitas delas: resilientes, carismáticas e cheias de nuances.
Como olha para a evolução do panorama audiovisual angolano?
Temos dado passos importantes em termos de qualidade técnica, narrativa e profissionalismo. Ainda temos desafios, sobretudo em recursos e formação, mas o caminho está a ser trilhado e o futuro do audiovisual angolano promete ser ainda mais promissor. Também sinto que é necessário haver mais produções, porque isso gera competitividade e, de certa forma, motiva-nos a procurar sempre mais para acrescentar. É assim que as coisas crescem e melhoram.
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