POC NOTÍCIAS | OPINIÃO | POR: JORGE SALVADOR | geral@pocnoticias.ao | Foto: DR
Na noite de quinta-feira, 26 de Junho, o palco do Caixa Artes voltou a vibrar com alma, memória e emoção ao acolher mais uma edição do Show Intimista, desta vez com a presença da nossa querida Selda, carinhosamente conhecida como a “Morena de Cá”.
Num ambiente acolhedor e recheado de juventude, Selda fez o que sabe fazer melhor: cantou com entrega e encantou com verdade, transportando-nos por um repertório que uniu os seus próprios êxitos aos clássicos intemporais da música angolana. Um dos momentos mais marcantes da noite foi a sua interpretação de “Renúncia”, do inesquecível André Mingas, entre outras canções que pertencem a uma geração de músicos cuja voz e legado, na minha opinião, jamais desaparecerão.
Mais do que um espectáculo, foi uma celebração da nossa identidade e do nosso tesouro musical. Selda, com sabedoria e sensibilidade, aproveitou o momento e apelou aos jovens a importância de honrarmos os nossos “cotas”, músicos de outras gerações que já partiram, mas que deixaram um património cultural valiosíssimo, composto por canções que ainda hoje ecoam pelas vozes da nova geração, mesmo quando entoadas em línguas nacionais.
E não foi apenas um apelo simbólico, foi vivido ali mesmo, ao ver-se grande parte do público, maioritariamente jovem, a cantar com alegria e orgulho canções em kimbundu, comovidos pelas letras, melodias e o peso da memória colectiva que cada uma carrega.
Naquele instante, fui invadido por uma pergunta inevitável. Que legado está a nova geração de músicos a preparar para o futuro?
Sem resposta imediata, deixei-me levar pelo ambiente e pelas vozes que ecoavam, rendido à beleza eterna das composições dos nossos mestres. Músicas que não eram apenas entretenimento, eram poesia, luta, identidade e paixão, todas encarnadas com alma por artistas que entendiam que cantar era também resistir, educar e eternizar um povo.
Acredito que ainda estamos a tempo de resgatar o melhor dos exemplos musicais deixados pelos nossos mestres de saudosa memória. Cabe-nos manter viva a chama da nossa música de raiz, fazendo dela fonte de inspiração para as novas gerações e, por que não, para o reconhecimento da nossa cultura em palcos internacionais.
A música folclórica angolana é um verdadeiro tesouro musical, e não pode ser esquecida nem negligenciada. Tal como dizia o meu mestre e escritor Jorge Macedo , é imperativo valorizar e revisitar os nossos clássicos, não apenas como tributo, mas como responsabilidade cultural e artística.
Nomes como Teta Lando, André Mingas, Ngola Ritmos, Carlos Burity, Filipe Mukenga, Bangão, Elias Dia Kimuezo, David Zé, José Cordeira e Lourdes Van-Dúnem construíram uma base sólida da qual ainda hoje se bebe. Canções como “Eu Vou Voltar”, “Ngizolele Mama”, “Muxima”, “Monami”, “Kamba Dyami”, “Mama Divua Dio”, “Muxima Muxima”, “Humbi Hummbi” e “Angola no Coração”, entre tantas outras, são mais do que músicas, são marcos vivos da nossa história.
Que a juventude as continue a cantar. Que os palcos nunca se esqueçam delas. E que a memória de quem as criou permaneça acesa em cada nota tocada e em cada voz que ousa interpretá-las com orgulho.
Um agradecimento especial ao Caixa Angola, pelo patrocínio contínuo destes momentos musicais que acontecem todas as últimas quintas-feiras de cada mês, e ao Memorial Dr. António Agostinho Neto, pela organização dedicada e por nos permitir, de forma gratuita, mergulhar num ambiente intimista repleto de boas recordações musicais que nos fazem viajar no tempo e no presente.
Por: Jorge Salvador – Comunicólogo e Consultor de Comunicação
Luanda, 27 de Junho de 2025