Nos últimos dez anos, calculando de 2013 a 2023, uma vez que os dados de 2024 ainda não se encontram todos apurados e disponíveis, a economia angolana enfrentou desafios significativos, desde a queda abrupta dos preços do petróleo em 2014 até os impactos da pandemia de COVID-19. Nesse período, a distribuição de crédito no país reflectiu as prioridades e vulnerabilidades do modelo económico angolano, ainda fortemente dependente do sector petrolífero. Enquanto grandes empresas ligadas ao petróleo e sectores relacionados continuaram a absorver uma parcela considerável dos recursos financeiros, as pequenas e médias empresas PMEs, que são a espinha dorsal da economia real, enfrentaram dificuldades crónicas para acessar ao crédito na banca angolana. Essa dinâmica não só limita o potencial de diversificação económica, mas também expõe o sistema financeiro a riscos elevados.
TEXTO: WITMAN LUAMBA ( Mestre em Finanças) | OPINIÃO
A economia real em Angola, composta por sectores como agricultura, indústria, comércio e serviços, é essencial para a geração de empregos e a redução da pobreza. As PMEs, em particular, desempenham um papel vital nesse processo, representando mais de 90% do tecido empresarial do país e sendo responsáveis por uma parcela significativa do emprego formal e informal. No entanto, apesar da sua importância, essas empresas enfrentam barreiras estruturais para acessar ao crédito na banca comercial. Dados do Banco Nacional de Angola (BNA) indicam que, entre 2013 e 2023, apenas 15% a 20% do crédito total concedido pelo sistema bancário foi direccionado às PMEs.
De forma evidente, essa limitação impede que as PMEs invistam em tecnologia, expandam suas operações ou até mesmo sobrevivam em momentos de crise. Em um país onde a diversificação económica é urgente, a falta de financiamento para a economia real representa um obstáculo ao desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Concentração de Crédito no Sector Petrolífero e de Alto Risco
Angola é um dos maiores produtores de petróleo da África, e o sector petrolífero responde por mais de 90% das exportações e cerca de 30% do PIB. Nos últimos dez anos, grande parte do crédito concedido pelo sistema financeiro angolano foi direccionado a grandes empresas ligadas ao petróleo, gás e sectores relacionados, como construção e infra-estrutura. No período em análise, estima-se que 60% a 70% do crédito total foi absorvido por esses sectores, muitas vezes com o aval do Estado ou de instituições públicas.
Essa concentração de crédito em sectores de alto risco traz desafios significativos. Primeiro: a dependência do petróleo torna a economia angolana extremamente vulnerável a choques externos, como a volatilidade dos preços internacionais. A queda dos preços do petróleo em 2014, por exemplo, levou o país a uma crise económica prolongada, com impactos severos no sistema financeiro. Segundo: a alocação desproporcional de recursos para sectores de alto risco limita o financiamento disponível para outros sectores com maior potencial de geração de empregos e diversificação económica, como agricultura, turismo e manufactura.
No período em análise, no caso a última década, o volume total de crédito concedido pelo sistema bancário angolano cresceu de forma modesta, impulsionado principalmente por empréstimos a grandes empresas e projectos governamentais. Dados do BNA mostram que, em 2013, o crédito total concedido era de aproximadamente 2,5 trilhões de kwanzas (cerca de 6 bilhões de dólares na época), com cerca de 65% destinado ao sector petrolífero e infraestrutura. Em 2023, esse valor subiu para cerca de 6 trilhões de kwanzas (aproximadamente 7 bilhões de dólares), mas a concentração em sectores de alto risco permaneceu elevada, com 60% do crédito ainda direccionado a esses segmentos.
Em contraste, o crédito para a agricultura, fundamental para a segurança alimentar e a redução da pobreza, representou menos de 5% do total ao longo da década. O sector industrial, excluindo o petróleo, também recebeu uma parcela mínima, em torno de 10%. Esses números evidenciam uma distorção na alocação de recursos, que prioriza sectores de alto risco em detrimento da economia real.
Desafios e Caminhos para uma Distribuição Mais Equilibrada
Para reverter esse cenário, este estudo entende que Angola precisa adoptar políticas que promovam uma distribuição mais equilibrada do crédito, com foco no fomento à economia real e à diversificação económica. Algumas medidas urgentes incluem:
- Fortalecimento das PMEs: Criar linhas de crédito específicas para pequenas e médias empresas, com taxas de juros subsidiadas e prazos mais longos. Além disso, é necessário simplificar os processos de concessão de crédito e reduzir a exigência de determinadas garantias , que muitas vezes são um obstáculo para as PMEs.
- Incentivo a Sectores Estratégicos: Priorizar o financiamento de sectores com alto potencial de crescimento e geração de empregos, como agricultura, turismo, manufactura e tecnologia. Programas de crédito direccionados a esses sectores podem impulsionar a diversificação económica e reduzir a dependência do petróleo.
- Transparência e Regulação: O Banco Nacional de Angola e outras instituições reguladoras devem monitorar de perto a distribuição de crédito, garantindo que os recursos sejam alocados de forma eficiente e transparente. A criação de indicadores de desempenho para os bancos, com base no volume de crédito concedido à economia real, pode ser uma medida eficaz.
- Fortalecimento das Instituições Financeiras: Investir no desenvolvimento de instituições financeiras especializadas, como bancos de desenvolvimento e microfinanças, que possam atender às necessidades específicas das PMEs e dos sectores estratégicos.
Em forma e conclusão entendemos que; a concentração de crédito em sectores de alto risco, como o petróleo, em detrimento do financiamento à economia real, é um problema que precisa ser enfrentado com urgência em Angola. Nos últimos dez anos, essa dinâmica limitou o potencial de diversificação económica e expôs o país a riscos significativos. Para construir uma economia mais resiliente e inclusiva, é essencial reorientar a alocação de crédito, priorizando as PMEs e sectores estratégicos que podem impulsionar o crescimento sustentável. O futuro de Angola depende da capacidade de transformar o sistema financeiro em um instrumento de desenvolvimento, e não de dependência. A economia real, afinal, é o alicerce sobre o qual se constrói um futuro próspero e equitativo de qualquer nação.