O anúncio do Governo angolano de encerrar, até ao final do ano, a Junta Médica em Portugal está a levantar fortes críticas e preocupações. No programa Estado da Nação da rádio MFM, realizado a 13 de Setembro, médicos e outros intervenientes expuseram os riscos da decisão e os números que contrariam a tese de que Portugal representa um encargo insustentável para o Estado.
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O nefrologista Matadi Daniel revelou que cada doente em diálise custa cerca de 32 mil dólares por ano ao Estado, valor que inclui a terapêutica de manutenção e as sessões de hemodiálise. No caso dos transplantados, o primeiro ano pós-cirurgia implica custos na ordem dos 60 mil dólares, descendo depois para cerca de 8 mil dólares anuais.
O médico alertou ainda que 95% a 98% dos doentes chegam em situação de emergência, devido à falência dos cuidados primários na detecção precoce da doença renal. Para o especialista, manter a cooperação com Portugal continua a ser mais económico e seguro do que transferir os doentes para a África do Sul, onde a continuidade terapêutica não está garantida.
Já Gabriel Tchimuco, presidente da Associação de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal (ADAP) e transplantado há nove anos, sublinhou que os imunossupressores de alto custo, entre 600 e 900 euros mensais, são assegurados pelo Estado português. Recordou que muitos doentes resistem ao repatriamento porque necessitam de cirurgias complexas, como a da paratiróide, que não são realizadas em Angola. Alertou ainda para riscos acrescidos na África do Sul, não só pela complexidade do sistema de saúde, mas também por episódios recorrentes de xenofobia contra estrangeiros nos hospitais públicos.
“muitos doentes resistem ao repatriamento porque necessitam de cirurgias complexas, como a da paratiróide, que não são realizadas em Angola”
O especialista em saúde pública Jeremias Agostinho contextualizou a decisão do Governo com as dívidas acumuladas a Portugal, que variaram entre 3 e 6 milhões de dólares nos últimos anos. Admitiu que o sistema foi alvo de abusos, com cidadãos a beneficiarem da Junta sem necessidade clínica, mas defendeu que a suspensão temporária, apresentada como forma de conter custos, poderá penalizar injustamente os doentes que realmente precisam de apoio.
Jeremias Agostinho sublinhou ainda a falta de transparência sobre os novos acordos com a África do Sul e defendeu uma avaliação caso a caso.
Entre números, testemunhos e incertezas, a pergunta persiste: quanto custará, afinal, substituir Portugal pela África do Sul, em dólares e, sobretudo, em vidas humanas?
Recorde-se que, em Julho, segundo noticiou o jornal O País, por meio de um documento disponibilizado pelo presidente da ADAP, Gabriel Tchimuco, foi solicitada uma sindicância e revisão do despacho do MINSA que determina o encerramento da Junta Médica no exterior do país, designadamente em Portugal.
O documento aponta que “não entendem as razões que motivaram o Ministério da Saúde a encerrar o serviço de Junta Médica em Portugal, até ao final do ano corrente, uma vez que são milhares os doentes que constam de uma lista de espera, de várias províncias, na Junta Nacional de Saúde de Angola, e que estão referenciados para o pedido de evacuação, uma vez que se esgotaram todas as possibilidades de tratamento e cura em Angola”.