Já perdi a conta das vezes que fui abordado por mães de pessoas com albinismo procurando saber como corrigir as deficiências visuais que nos acometem desde pequeninos. A minha resposta é sempre que levem as crianças ao oftalmologista o mais cedo possível, tão logo comecem a sentar-se e a gatinhar. Elas dizem-me que os médicos não aceitam atender crianças que ainda não falam, pois não se conseguem comunicar com elas para realizar uma consulta eficaz.
A princípio admirou-me. Nós, crianças com deficiências visuais – não só com albinismo – que nascemos nas décadas de 60, 70 ou mesmo 80 do século passado, fizemos as nossas consultas de vista não antes dos 10 anos. No meu caso, fiz todo o meu ensino primário, secundário e médio apenas com óculos escuros sem graduação. Mas isso acontecia porque éramos pobres e nas províncias onde vivíamos não havia condições médicas para oftalmologia pediátrica (consulta de vista para crianças).
Nunca me tinha apercebido que, para além disso, há também o problema de os próprios médicos não o poderem fazer a bebés que ainda não falam e que esta questão persiste hoje nas nossas unidades sanitárias, em pleno século XXI. De repente, dei-me conta que temos aí mais um factor de discriminação e exclusão das crianças, sobretudo as que têm albinismo, e com propensão a deficiências na visão como miopia (baixa visão), nistagmo (tremores horizontais da pupila), fotofobia (encandeamento) e outros.
Inconformado, decidi pesquisar sobre o assunto. Porque não acreditava que numa época em que já se experimenta a prótese de pupila para recuperar a cegueira, a ciência médica não tivesse avançado no desenvolvimento de técnicas de prática de oftalmologia em bebés. Até porque, quanto mais cedo a vista for tratada, menos danificada ela fica. E de facto descobri que é possível sim tratar a baixa visão em bebés.
A Organização Mundial da Saúde estima que, em todo o mundo, 19 milhões de crianças são deficientes visuais. Se detectado no início, até 80% dos casos são facilmente tratáveis. Nos países em desenvolvimento, 60% das crianças que ficam cegas morrem no espaço de um ano. Mas em muitos lugares, os oftalmologistas pediátricos são escassos. A pensar nisto, uma médica espanhola, em trabalho conjunto com a Huawei, desenvolveu uma tecnologia que torna mais simples o diagnóstico de problemas oculares em crianças pequenas: a TrackAI.
“Nos países em desenvolvimento, 60% das crianças que ficam cegas morrem no espaço de um ano. Mas em muitos lugares, os oftalmologistas pediátricos são escassos”
Tradicionalmente, os médicos diagnosticam doenças de visão em crianças pequenas, movendo um dedo ou um objecto em frente dos olhos e observando a reacção. Por seu lado, TrackAI consiste em inteligência artificial que analisa o olhar das crianças enquanto assistem a estímulos visuais em dispositivos.
Os resultados precisam ser verificados por um oftalmologista, mas a tecnologia simplifica significativamente o teste em crianças pequenas, especialmente nos bebés que não conseguem falar ou ficar quietos. Esta tecnologia foi criada por meio de uma parceria entre a DIVE – uma start-up fundada pela Drª. Victoria Pueyo, oftalmologista pediátrica em Zaragoza, Espanha – e o instituto médico IIS Aragon, em conjunto com a gigante de tecnologia Huawei.
Os algoritmos estão ainda a ser treinados para a recolha dos dados do movimento dos olhos de crianças com deficiência visual. Mas prometem salvar a visão de milhões de pessoas mesmo antes de falarem. Esta tecnologia é de uso tão simples que pode ser adaptada ao telefone celular e as mães comuns podem usá-la facilmente para verificar e monitorizar a saúde da visão dos seus bebés pequenos.
“Médicos oftalmologistas podem ser treinados no uso desta tecnologia e realizar consultas de alta qualidade a crianças com problemas visuais em qualquer parte do país”
Esta acaba por ser mais uma das vantagens que Angola pode alcançar com o investimento urgente na capacidade de conectividade em todo o território nacional. Médicos oftalmologistas podem ser treinados no uso desta tecnologia e realizar consultas de alta qualidade a crianças com problemas visuais em qualquer parte do país. Isso responde também a quem se pergunta se o investimento na conectividade deve ser feito antes da produção de alimentos, saúde, educação, estradas e demais infra-estruturas básicas. A conectividade, hoje por hoje, é a avenida por onde passa e fica facilitado o desenvolvimento nestes e em todos os domínios da vida das pessoas.
Artigo de opinião: Celso Malavoloneke