A dívida pública é um dos principais instrumentos utilizados pelos governos para financiar suas despesas e investimentos. Contudo, seu crescimento tendo como fonte a banca pode ter efeitos significativos sobre o sector, impactando desde a liquidez dos bancos até sua capacidade de concessão de crédito ao sector produtivo. Em Angola, o impacto da dívida pública nos bancos comerciais é particularmente relevante, dada a forte interdependência entre o sistema financeiro e o Estado. Este artigo analisa os efeitos da dívida pública nos bancos comerciais angolanos, trazendo dados numéricos e comparações com outros contextos económicos.
TEXTO: WITMAN LUAMBA (Mestre em Finanças) | OPINIÃO
A Dívida Pública e sua Relação com os Bancos Comerciais: Os bancos comerciais são agentes essenciais no financiamento da dívida pública, pois frequentemente adquirem títulos emitidos pelo governo. Em Angola, esses títulos incluem principalmente as Obrigações do Tesouro e os Bilhetes do Tesouro, instrumentos que garantem uma rentabilidade relativamente segura para os bancos.
Nos últimos anos, o stock da dívida pública angolana tem crescido significativamente. De acordo com dados do Banco Nacional de Angola (BNA), a dívida pública total passou de US$ 66.4,3 bilhões em 2023 para US$ 56, bilhões em 2024, representando cerca de 90,4% do PIB deste ano. Esses numeros apesar de se registar alguma descida impacta diretamente os bancos comerciais de várias formas.
Um dos principais efeitos do aumento da dívida pública nos bancos é a redução do crédito ao sector produtivo. Desde 2021, que grande parte dos activos dos bancos angolanos são alocados em títulos públicos, reduzindo a disponibilidade de financiamentos para empresas e famílias. Como esses títulos oferecem retornos garantidos e baixo risco, os bancos preferem investir neles em vez de conceder empréstimos a empresas que podem ter maiores riscos de inadimplência.
Aumento da Exposição ao Risco Soberano
A dívida pública excessiva pode representar um risco significativo para os bancos comerciais. Se o governo enfrentar dificuldades para honrar seus compromissos, os bancos que possuem grande parte de seus activos nesses títulos podem sofrer prejuízos significativos. Em 2020, durante a crise do preço do petróleo e a pandemia da COVID-19, Angola teve que renegociar parte de sua dívida externa, o que aumentou a percepção de risco do sistema bancário.
Influência nas Taxas de Juro e no Custo do Crédito
O alto endividamento do governo impacta as taxas de juro praticadas pelos bancos comerciais. Como o governo precisa atrair investidores para seus títulos, ele pode oferecer taxas de juros mais altas, tornando o custo do dinheiro mais elevado para outros tipos de crédito. Em 2022, a taxa de juros das Obrigações do Tesouro angolano foi superior a 20% ao ano, pressionando os bancos a manterem taxas elevadas também para empréstimos ao sector privado.
Impacto na Liquidez e Rentabilidade dos Bancos
Embora os títulos públicos sejam considerados investimentos seguros, uma alocação excessiva neles pode comprometer a liquidez dos bancos. Em Angola, entre 2018 e 2024, o percentual de activos bancários investidos em dívida pública passou de 45% para cerca 70%, tornando os bancos mais dependentes das finanças do governo e menos dinâmicos no financiamento de outros sectores da economia.
Comparação com Outras Realidades: O impacto da dívida pública nos bancos comerciais angolanos pode ser comparado com outras economias emergentes. No Brasil, por exemplo, a dívida pública em relação ao PIB atingiu 78% em 2021, enquanto na Nigéria ficou em 35%. No entanto, a participação dos bancos na dívida pública brasileira é menor, pois existe um mercado de capitais mais desenvolvido. Já em Angola, a falta de alternativas de investimento faz com que os bancos concentrem grande parte de seus activos nos títulos do governo.
Caminhos para Mitigar os Riscos Diante desse cenário, algumas medidas podem ser adoptadas para reduzir o impacto negativo da dívida pública nos bancos comerciais:
- Diversificação das Fontes de Financiamento do Governo – Reduzir a dependência dos bancos comerciais na dívida pública, incentivando o desenvolvimento do mercado de capitais e atraindo investidores institucionais.
- Fomento ao Crédito ao Sector Produtivo – Criar incentivos para que os bancos comerciais aumentem a concessão de crédito às empresas, reduzindo a concentração de investimentos nos títulos públicos.
- Aprimoramento da Gestão da Dívida Pública – Melhorar a disciplina fiscal para evitar um crescimento descontrolado da dívida, reduzindo a pressão sobre os bancos e as taxas de juros.
- Desenvolvimento do Mercado Financeiro – Estimular a criação de novos instrumentos financeiros que ofereçam alternativas seguras de investimento para os bancos, além dos títulos públicos.
O crescimento da dívida pública tem um impacto profundo sobre os bancos comerciais, influenciando desde sua liquidez até sua capacidade de financiar o sector privado. No caso de Angola, a elevada dependência dos bancos nos títulos do governo pode comprometer a diversificação do crédito e aumentar os riscos para o sistema financeiro. Para garantir um crescimento económico sustentável, é essencial que o governo e os bancos busquem um equilíbrio entre a gestão da dívida e a dinamização do crédito à economia real.