OPINIÃO | POR: Jorge Salvador | Comunicólogo e Consultor de comunicação | Luanda, 03 de Julho de 2025
Ontem (2 de Julho), em Luanda, o Presidente da República, João Lourenço, atribuiu a título póstumo a Medalha da Classe de Independência ao escritor, musicólogo, maestro e pensador Jorge Mendes Macedo, num gesto que transcende a formalidade de uma cerimónia e que devolve à história recente de Angola a justa reverência a um dos seus mais discretos e profundos construtores. A comovente entrega da medalha à sua filha, Té Macedo, foi mais do que um acto simbólico, foi uma celebração do compromisso, da coragem intelectual e da entrega silenciosa de um homem que serviu Angola com a caneta, a voz e o coração.
Poucos nomes congregam tantas dimensões como Jorge Macedo. Ele foi poeta de resistência, activista cultural, professor, dirigente público, jornalista, mentor e, para muitos, um verdadeiro arquétipo de cidadão comprometido com o seu tempo. A sua produção literária começou ainda nos anos 50, mas foi durante o período colonial que a sua palavra se tornou arma e abrigo, denunciando, com elegância poética, os horrores da opressão e apontando o caminho da liberdade. A sua poesia era, e continua a ser, uma síntese de lucidez política e afectividade humanista.
Mas se há um aspecto da sua vida que merece realce, é o apoio incondicional que ofereceu às gerações mais novas. Jorge Macedo foi, para muitos jovens, uma porta aberta num tempo de incertezas. E posso afirmá-lo não apenas como observador, mas como testemunha. Tive a honra de viver com Jorge Macedo, na Terra Nova, ainda na minha adolescência, e aos 17 anos comecei a trabalhar com ele, numa experiência que moldou não só o meu percurso profissional, mas sobretudo a minha consciência de cidadania e responsabilidade cultural e social.
Na sua casa, transformada em centro de pensamento e refúgio de guerrilheiros, homens de cultura e da arte angolana, aprendi que a literatura e a música não servem apenas para entreter, são instrumentos de luta, de identidade e de reconstrução colectiva. A varanda de onde, segundo os relatos, foi lançada uma bazuca contra o Quartel Dona Amália, é a mesma que servia para receber, discutir livros, ideias e projectos. O meu mestre Jorge Macedo nunca dissociou cultura de acção. O seu activismo não era ruidoso, mas era intenso e coerente. Era ali, naquele espaço sagrado da Terra Nova, que se fundiam a resistência armada e a revolução espiritual.
Foi fomentador e mestre da Brigada Jovem de Literatura, criador de plataformas de expressão juvenil, defensor convicto da cultura angolana nas suas mais profundas raízes bantu, e colaborador incansável de jovens autores, artistas e pensadores. Formou, inspirou e desafiou dezenas de talentos, muitos dos quais hoje ocupam lugares de relevo na vida cultural do país.
Jorge Macedo ajudou a moldar o imaginário da independência e o sentido da angolanidade, não apenas como agente do passado, mas como visionário do futuro. E foi também por isso que contribuiu, por exemplo, com a transcrição e harmonização musical do que viria a ser o nosso Hino Nacional, facilitando a sua orquestração por músicos russos, mais um gesto de entrega à causa maior.
Com uma formação que cruzou filosofia, etnomusicologia, jornalismo e pedagogia, Jorge Macedo exerceu funções em instituições-chave, do Ministério da Cultura ao CICIBA, da Academia de Música ao Orfeão Universitário de Luanda, tendo levado Angola a palcos internacionais com distinção. Mas o seu legado mais duradouro talvez seja o de ter acreditado nos jovens quando poucos o faziam, de ter aberto portas, emprestado livros, escrito prefácios, fazer correções de letras musicais de muitos bons artistas consagrados, orientado textos e, acima de tudo, de ter sido exemplo.
A sua condecoração é um momento de justiça histórica, mas é também um convite à memória activa, que o seu nome seja resgatado dos silêncios e reintegrado no centro da nossa consciência colectiva. Jorge Macedo viveu para que outros pudessem sonhar e escrever em liberdade. E hoje, cada jovem que publica um livro, cada músico que toca uma marimba, cada cidadão que ergue a voz por uma Angola mais justa, caminha sobre as notas e os versos que ele semeou.