A seca no sul de Angola está a catalisar uma série de riscos invisíveis. A insegurança alimentar está a expor cada vez mais a população feminina à violência baseada no género. Para ajudá-la, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) executou um plano que vai distribuir mais 60 mil kits de dignidade e ajudar directamente quase 1 milhão de meninas e mulheres nas províncias da Huíla, Cunene, Namibe, Benguela, Cuanza Sul e Huambo.
As colheitas secas, os cadáveres de gado morto por falta de água e a terra empoeirada são apenas os efeitos a olho nu da mais grave seca dos últimos 40 anos no sul de Angola. O impacto social é imenso. Relatórios de várias instituições governamentais e do Sistema das Nações Unidas estimam que um total de 5 milhões de pessoas são fustigadas directamente por esta seca severa, metade delas totalmente privadas de serviços de saúde, educação e padrões dignos de vida.
Neste cenário desolador, as meninas e mulheres estão entre os mais vulneráveis. As carências de alimentos e destruição do modo de vida das comunidades agravam os desequilíbrios de género já existentes e as taxas relativamente altas de violência que sofrem todos os dias. Muitas tentam dar a volta por cima e assumem trabalhos tradicionalmente ocupados por homens, como a produção e venda de carvão. Outras migram para a Namíbia e cidades mais próximas em busca de comida. Na sua força, tornam-se alvos fáceis e frágeis de exploração sexual.
A situação é preocupante e há muito trabalho a fazer. O UNFPA está já no terreno para ajudar a reduzir a exposição deste grupo da população aos efeitos da seca. A distribuição de 50 mil kits de dignidade a mulheres no sul de Angola, prevista para breve, é apenas um dos passos do programa de resposta de emergência, conhecido por CERF. Este plano já está em marcha nas províncias do Cunene, Huíla, Namibe e Cuando-Cubango, estando para breve a extensão ao Cuanza-Sul, Benguela e Huambo. No total, a agência das Nações Unidas dará apoio a 874.000 mulheres em idade reprodutiva e a 115.337 mulheres grávidas, em matéria de saúde sexual e reprodutiva, e prevenção de violência baseada no género.
Entre as meninas vulneráveis do Sul de Angola, esta a Bela José, que aos 17 anos, ganha a vida como vendedora de óleo Mupeque no mercado da Bibala, na Huíla. Bela vive com o irmão que tem a sua tutela, por canseira da Mãe. A menina foi uma das beneficiárias do kit de dignidade distribuído naquela localidade e agradece “gostei muito de receber o kit de dignidade, porque ajuda na minha higiene”.
Para Bela é muito importante ter o apoio do UNFPA nas questões de saúde menstrual, mas o que ela gostaria muito é de estudar “Estudei até a 4.ª classe, sei ler e escrever e quero muito estudar. Eu vendo óleo para cabelo aqui no mercado, no fim-de-semana vendo as galinhas da fazenda onde o meu irmão trabalha, depois faço as actividades de casa, mas quero mesmo estudar” reforça a menina esperançosa de que alguém a ouça e apoie.
Salvar vidas é o grande objectivo. O UNFPA prevê que este conjunto de acções, aliadas aos Cuidados Obstétricos de Emergência, reduzirá as taxas de mortalidade infantil e de mulheres grávidas e lactantes por causas evitáveis, para além de impactar positivamente na redução da transmissão do HIV.
Por outro lado, o programa quer também intervir para melhorar a saúde em geral deste grupo. Num contexto de seca, as meninas e mulheres evitam beber água para não ter que ir às poucas casas de banho com condições, o que aumenta o risco de infecções urinárias. Por outro lado, guardam a pouca água que há para tarefas domésticas, descurando a higiene diária, situação particularmente delicada durante a menstruação.
O projecto é financiado pelo Banco Mundial, e complementará as actividades de outras agências das Nações Unidas no terreno, como a UNICEF ou a Organização Mundial da Saúde, na minimização do impacto humanitário das condições de seca na região sul do país.