OPINIÃO
TEXTO: Celso Malavoloneke, Sociólogo da Comunicação
A meio das férias, recebi um simpático convite da Huawei – UNITEL para participar online no lançamento dos serviços de “mobile money” (dinheiro via celular, em tradução livre) que resultara da parceria entre as duas empresas. A Huawei fornecera uma solução tecnológica flexível, adequada à nossa realidade e fácil de ser manejada por utentes e agentes, e a UNITEL pusera à disposição a sua formidável rede de cobertura tele-comunicacional, a maior do país.
Com grande pena minha, não pude aceitar o convite – já tinha programada uma excursão para o leste da província da Huíla onde me encontrava, nomeadamente no meu município natal do Kuvangu. Mas expressei à simpática senhora que transmitiu o convite a minha enorme satisfação por essa conquista e prometi que tão logo me fosse possível iria lá ver de perto como o sistema funciona.
O meu entusiasmo pelo assunto tem várias justificações, todas a ver com as minhas vivências profissionais: em 2015, quando era Director de Comunicação Institucional e Imprensa do MINARS, e no quadro dos primeiros passos das acções de transferências sociais monetárias não contributivas, fui enviado a fazer um curso de formação de um mês em Cape Town, sobre o assunto. É que eu era, então, defensor ferrenho da tese que me tinha sido inculcada na universidade canadiana onde me formei em Planeamento de Desenvolvimento Rural Internacional, que nunca se deve dar dinheiro às comunidades apoiadas. “Antes dar o anzol e ensinar a pescar que dar o peixe”, dizia-se. De forma que a então nova abordagem de dar um montante mensal às famílias beneficiadas fazia-me muita confusão na cabeça. Fui fazer o curso, compreendi o conceito e lá escolhi a especialidade de “inclusão financeira”.
A segunda vivência tem a ver com a minha participação enquanto Secretário de Estado da Comunicação Social no desenho do Projecto Kwenda. Sendo uma das componentes a entrega trimestral de 8.400 Kzs às famílias mais vulneráveis (entenda-se nas zonas mais remotas), fazer chegar este dinheiro é (era) um verdadeiro bico-de-obra. Um bom número de municípios não possui uma agência bancária sequer; outros só têm uma – o BPC – que funciona(va) com muitas deficiências. Lembro-me que, em 2019, fui em missão de serviço da vacinação da Pólio uma vez ao Chipindo/Huíla e outra ao Chitembo/Bié e tivemos que transportar as enormes quantidades de dinheiro vivo necessário para pagar ao pessoal e a logística da campanha, com todos os riscos que isso acarretava.
“Um bom número de municípios não possui uma agência bancária sequer; outros só têm uma – o BPC – que funciona(va) com muitas deficiências”
Na solução destes problemas logísticos pelo Projecto Kwenda, surgiu a ideia de, à semelhança do que já acontece em outros países, incluindo aqui na SADC, recorrer ao conceito do “mobile money”. Para isso, começou-se a discutir a ideia com a UNITEL. Aqui cabe fazer uma sentida homenagem à finada Dra. Eunice de Carvalho que, uma vez contactada, transformou-se numa entusiasta incondicional do projecto. O seu apoio, que se situava mais na vertente da responsabilidade social da empresa que numa nova área de obtenção de lucros – que até acaba sendo – e a sua inquebrantável fé e compromisso com os mais desfavorecidos foram fundamentais para que a UNITEL não desistisse perante os enormes desafios técnicos e tecnológicos que o projecto enfrentava. Ao ponto que, mesmo depois do seu infausto desaparecimento, a força da sua memória continuou a ser uma força motriz para aqueles que ficaram a tocá-lo para a frente…
É precisamente na solução de uma solução tecnológica simples, mas eficiente, que pudesse ser utilizada sem muita formação, que surgiu a Huawei no projecto. Com a experiência de outros países, tornou efectivamente possível que já se vislumbre no horizonte as famílias beneficiadas do Projecto Kwenda receberem a sua transferência monetária, bastando para isso ter um número UNITEL e viver perto de um agente UNITEL, seja ele uma loja ou um “mamadu”.
As enormes vantagens deste sistema financeiro não saíam da minha cabeça enquanto percorria os municípios do leste da Huíla: Quipungo, Matala, Jamba, Kuvangu… e em cada vila que passava, procurava nas ruas e na memória a existência de agências bancárias: Quipungo tem uma, tal como Jamba e Kuvangu; só Matala tem duas. Essas agências, ou não têm dinheiro, ou não têm sistema, ou os trabalhadores ausentaram-se para o Lubango… os multicaixa esquece, nunca têm dinheiro e quando têm são aquelas enchentes, principalmente no fim do mês. Por outras palavras, o sistema financeiro funciona com muita deficiência.
É isso que o “mobile money” pode resolver. Para já, acontece fora dos bancos. Entram mais dois actores no sistema financeiro do município e das comunidades: as lojas UNITEL (que também são poucas, é verdade) e os comerciantes das lojas de esquina (vulgo “mamadus”), esses em grande quantidade e que, de facto, já prestam esses serviços sem pagar um Kwanza de imposto ao Estado. Isso, e a quase falta de burocracia, é que, tenho a certeza, vão fazer a verdadeira diferença. E nisto, a Huawei foi visionária. O aplicativo que apresentou é tão fácil de usar que requer o mínimo de treinamento.
“Entram mais dois actores no sistema financeiro do município e das comunidades: as lojas UNITEL (que também são poucas, é verdade) e os comerciantes das lojas de esquina (vulgo “mamadus”), esses em grande quantidade e que, de facto, já prestam esses serviços sem pagar um Kwanza de imposto ao Estado”
O impacto deste serviço na economia municipal e comunitária é enorme. Primeiro, vai ser mais fácil e rápido enviar dinheiro das cidades capitais para os municípios e comunas, o que significa dizer que vai haver mais dinheiro disponível lá para lubrificar a economia. O dinheiro nestas localidades é realmente sempre ao vivo e é muito escasso, o que prejudica os pequenos produtores e o comércio local. Segundo, vai possibilitar transacções mais ou menos grandes entre os agentes económicos locais de forma rápida, eficaz e segura. Estão definitivamente para trás os dias em que o Secretário de Estado tinha que carregar o seu jipe de caixas de dinheiro para pagar as despesas de uma campanha numa localidade distante. Da mesma forma, as famílias beneficiárias da acção social do Estado podem recebê-la em dinheiro. Mesmo as ajudas alimentares podem ser disponibilizadas desta forma, eliminando a logística, onerosa e consumidora de tempo, e possibilitando aos beneficiários adquirirem no mercado local o tipo de quantidade de géneros que consomem melhor, injectando no processo, dinheiro na economia local. Esses três são factores de inclusão financeira. Há um outro aspecto de importância nada desprezível que tem a ver com a não saída da massa monetária do circuito oficial: ao circular de forma mais digital que física, os dinheiros passam a não sair do controlo do sistema financeiro nacional. O que vai eliminar um dos maiores problemas com que se tem deparado nos últimos anos.
É por essas e outras razões que fiquei particularmente entusiasmado quando os serviços financeiros móveis arrancaram. Bem-haja à UNITEL e à Huawei, e faço votos que os serviços se expandam o mais rapidamente possível a todos os cantos do país. Encorajo e faço votos que os serviços sociais, comerciais, pequenas indústrias e até o Ministério das Finanças – no tocante aos pagamentos dos funcionários públicos e pensionistas – não hesitem em usar este serviço, de forma a potenciá-lo e assim trazer para mais perto dos cidadãos menos desfavorecidos, e não só, os benefícios dos serviços financeiros formais.
TEXTO: Celso Malavoloneke, Sociólogo da Comunicação