A advogada Isabel Bernardo presta, de forma gratuita, consulta jurídica a mães e crianças em processos de prestação de alimentos, chegando a suportar do próprio bolso as despesas com peças processuais, impressões e custas judiciais. Paralelamente, denuncia o elevado número de menores em Angola vítimas de abandono paternal e defende uma intervenção mais firme do Estado na protecção das crianças.
POC NOTÍCIAS | ANA ATALMIRA | geral@pocnoticias.ao | Foto: DR
“O Código da Família estabelece que tanto a mãe quanto o pai têm o dever de prestar alimentos aos filhos. A obrigação não se restringe apenas a comida, mas inclui também educação, saúde, vestuário e tudo o que for necessário para o sustento da criança”, sublinhou em entrevista ao POC Notícias.
Segundo a advogada, as mães solteiras cujos filhos não recebem apoio financeiro do progenitor devem recorrer ao Tribunal da Família para salvaguardar os direitos da criança. “Em situações urgentes pode ser instaurada uma providência cautelar, que permite uma decisão rápida. Existe igualmente a possibilidade de tentativa de conciliação junto da Procuradoria”, explicou.
Apesar de a lei estar clara, a realidade social apresenta desafios. Muitos pais alegam não ter condições para sustentar os filhos, mas Isabel Bernardo assegura que os tribunais verificam sempre se existe rendimento antes de uma decisão. Quando os progenitores trabalham em empresas formais, o tribunal pode solicitar directamente aos recursos humanos informações sobre salários, fixando assim a pensão de acordo com a percentagem prevista na lei.
A advogada lamenta, contudo, que persista um receio cultural que inibe alguns homens de exigirem judicialmente o cumprimento da obrigação por parte das mães. “Muitos pais envergonham-se de processar as mães com rendimento, porque a sociedade africana ainda condena essa atitude. Preferem não recorrer, por receio de serem alvo de críticas”, apontou.
“Muitos pais envergonham-se de processar as mães com rendimento, porque a sociedade africana ainda condena essa atitude. Preferem não recorrer, por receio de serem alvo de críticas”
Para além da advocacia, Isabel Bernardo tem levado a cabo o “Projecto Jurídico Solidário”, através de palestras conhecidas como “Sábados Jurídicos”, onde esclarece dúvidas e oferece consultas jurídicas gratuitas. “Uso os meus próprios meios para apoiar quem não tem recursos. Elaboro peças processuais, pago impressões e dou entrada no tribunal sem cobrar honorários. Para mim, solidariedade é tirar o pouco que temos para dar a quem nada tem”, afirmou.
A jurista defende maior intervenção do Estado na protecção jurídica das crianças. “Estou disposta a colaborar directamente com o Governo. Tenho projectos brilhantes nesta área, mas é preciso que existam profissionais disponíveis e abertura para trabalharmos em conjunto”, apelou, dirigindo mesmo um pedido ao Ministério da Justiça para apoiar a iniciativa.
De forma emocionada, Isabel Bernardo deixou também uma mensagem aos progenitores: “O abandono é uma violência psicológica contra a criança e pode marcar-lhe o crescimento. Para os pais, é altura de rever a situação e lutar para deixar um legado digno. Para as mães, digo que pedir alimentos não é humilhação, é construir um futuro brilhante para os filhos.”
A advogada concluiu com um apelo à persistência das famílias que enfrentam dificuldades: “O medo é o pior inimigo. Muitas crianças não levam sequer o nome do pai porque as mães receiam recorrer à justiça. Mas eu digo: confiem na justiça angolana. Ela pode tardar, mas chega. É preciso acreditar e lutar.”
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