Série de debates moderados por Adriano Mixinge arrancou a 4 de Novembro na NESR Art Foundation, com sessões semanais até 27 de Novembro. Programa integra comemorações dos 50 anos da Independência e propõe reflexão intergeracional sobre práticas artísticas, memória e arquivo
Meio século depois da Independência, Angola ainda procura respostas para perguntas incómodas sobre a sua produção artística: O que restou das utopias revolucionárias dos anos 70? Como sobreviveram artistas durante 27 anos de guerra civil? Que papel jogou o boom petrolífero (e posterior colapso) na criação e circulação de arte visual? E, mais urgente: Quem está a arquivar, documentar e preservar este património para gerações futuras?
Estas e outras questões estão a ser debatidas desde segunda-feira, 4 de Novembro, no ciclo de conversas públicas “Arquivos do Tempo”, promovido pela NESR Art Foundation na sua nova sede na Marginal de Luanda. Durante quatro semanas consecutivas (4, 11, 18 e 27 de Novembro), sempre às 15h, o historiador, crítico de arte e curador Adriano Mixinge moderará diálogos com artistas de várias gerações sobre “o devir histórico das artes visuais e plásticas em Angola nos últimos cinquenta anos”.
“Será um exercício de reflexão sobre a evolução da história da arte no nosso contexto, tomando as práticas e produções artísticas como ponto de partida para pensar as formas de resistência e de sobrevivência no meio das múltiplas e, por vezes, contraditórias realidades contemporâneas que nos rodeiam diariamente”- explicou Edna Bettencourt, directora da NESR, durante a inauguração da nova sede na segunda-feira, 3 de Novembro. “Temos vários artistas que traçaram carreiras desde Angola para o mundo. Alguns mantêm-se activos no país, outros consolidaram trajectórias internacionais, mas todos impactaram e influenciaram novas gerações de criadores até aos dias de hoje. É importante revisitá-los, falar sobre eles e reconhecer o seu contributo na construção da nossa história artística.”

Reflexão crítica, não celebração acrítica
Ao contrário de eventos oficiais que tendem a celebrar acriticamente “conquistas”, “Arquivos do Tempo” propõe olhar honesto sobre meio século de produção artística marcado por contradições, rupturas e resiliências.
O título — “Arquivos do Tempo” — não é casual. Evoca simultaneamente:
– Urgência de arquivamento: Angola carece de arquivo centralizado de arte contemporânea, catálogos raisonnés de artistas, documentação sistemática de exposições.
– Memória colectiva fragmentada: Guerra civil (1975-2002) destruiu ou dispersou acervos; obras perderam-se; artistas morreram sem legado documentado.
– Tempo como agente: Passagem de décadas permite perspectiva histórica impossível quando se está imerso em acontecimentos.
“Com a série de conversas públicas “Arquivos do Tempo” iremos viajar pelo devir histórico das artes visuais e plásticas dos últimos cinquenta anos, em Angola. Álvaro Cardoso, Íris B. Chocolate, Suzana Sousa e Kiluanje Kia Henda participarão num exercício de reflexão sobre o passado, de mapeamento do presente e de projecção do futuro do pensamento por imagens, das políticas públicas e, em geral, do sistema de arte; compreender como é que as artes visuais e plásticas atravessam o corpus político, social, económico e cultural é o desafio que nos reunirá. ” – Adriano Mixinge
Adriano Mixinge: Historiador que desenterra memórias esquecidas
A escolha de Adriano Mixinge como moderador é estratégica. Historiador, curador e crítico de arte, Mixinge dedica carreira académica e curatorial a desenterrar artistas marginalizados, movimentos suprimidos, episódios omitidos da narrativa oficial da arte angolana.
Num país onde história oficial tende a ser selectiva — celebrando certos heróis, silenciando outros; exaltando vitórias, omitindo contradições — Mixinge pratica historiografia incómoda: vai a arquivos (quando existem), entrevista testemunhas (enquanto vivas), cruza fontes, questiona consensos.
O seu papel em “Arquivos do Tempo” será provocar, contextualizar, conectar: provocar artistas a irem além de anedotas confortáveis; contextualizar produções individuais em dinâmicas históricas; conectar presente a passado, Angola a diáspora, local a global.





